Sagração de amor insone

É nessa noite tão e muito escura
que, desejosa de palavras, eu olho,
é uma folha branqueada de agrura.
Como despedaçar esse duro abrolho?
Preenchendo vastas tristezas sem cura,
falta-me um amor que recolho.

Deixei que se escoasse saudosa poeira
por entre esses dedos finos que agora fito,
e se espera o dia que mal clareia,
espreita uma solidão de doentio infinito.
Vou lentamente morfando-me em romaneira,
para cantar tudo que jamais foi dito.

Já lançando palavras como rede vazia,
criei em mim pequenas esperanças.
E cada vez que recolhi-as em agonia,
deixava aos poucos virar lembrança...
                              Mas sem poder o coração silenciar.
                              Tu não sabes o quanto dói não falar.

Relatando a cada dia um novo mito,
queria deixar aquilo que seguramente amarrava
meu corpo a uma rocha, como lento rito,
e ia me maltratando tanto que cansava.
Sem, nem ao menos, conseguir chamá-lo maldito,
nada podia, nem de nada te destratava.

Rugia, de longe, um grande, frio lume,
vermelhei-me pela claridão inexistente.
Garboso, te vi como quem se resume
a atingir meta tão mais funda, persistente.
Curvei-me perante o destino, sem queixume,
pois sei, não valho um só ato valente.

E em cadernos, borbotões de tinta
que se desfaziam perante um triste redemoinho
ao qual eu entregava uma e outra quinta
da devoção nem nascida, o meu desalinho.

Agora, quem há de entender-me?
                               Se fui eu a culpada de tantos atos?
Para que impedir a dor de arder-me?
                               Se não sou eu digna de bons tratos?

Tudo que estava à deriva se soergue,
e a ti presto homenagem, tudo como me resta,
já que para que teu espírito, de alguma forma, se vergue
preciso de algo além de laboriosa seresta.

Se tentei lhe dar uma desculpa de flor em maio,
agora ofereço um pedido repleto como um ramalhete.
O que temo é as rosas estarem fanadas, feminino desmaio,
então apenas aceite as palavras em fervoroso bilhete.
Não consigo pedir que espere enquanto da tempestade saio,
e não quero parte de mim morrendo ao golpe do florete.

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