Meio improviso

O que me disse?
Parada diante do sol desmaiado, 
eu mordo meus lábios trêmulos.
Se me lembrasse de suas falas...
A verdade é que não estou PRONTA. 


Você estava comigo então?
Quando joguei ao fogo meus medos
e desfiz-me em lágrimas,
você disse algo então?


Agora penso e me esforço - 
fui eu ou fomos nós? -
Passam por mim correntes de ar, 
grãos de areia e folhas. 
Mas ainda não estou PRONTA. 


Deixo de lado quem me acompanha.
Caminho só e lenta, 
e teus olhos não sabem. 
Na distância, penso se somos
futuro, passado ou mortalha. 


Quando choramos juntos, 
quando caímos juntos, 
quando veio o adeus...
Você disse algo então?


E, nesse momento, quando tudo renasce,
eu miro o sol sob a nuvem, 
e você, só Deus sabe. 
Será que se eu pudesse te tocar...
Eu estaria PRONTA?

Na madrugada sonhei com uma imagem

Despenteado ar de graça,
que nem santa.

Desvalidas pernas tortas,
destituídos braços nus.

Transgrediu os sonhos de outrem, verdejou espaçosamente
enquanto rugia um vento sem rumo nem desatino,
tinha olhos grandes e muito escuros.

Íntegra em pele desonesta.

Bela em carapuça escondida.

Era por si só um ícone de paradoxos sobrepostos como muralhas.

Infinitesimal

Mal acariciou o tempo em dedos a se roçar - 
na harmonia dos olhos enviesados e da timidez. 
Enquanto não existia razão para o arfar, 
nem para aquele ínfimo recanto de insensatez. 

A esperança que tinha olhos de esmeralda, 
como monstro da inveja, zombando da loucura
de tocar os sonhos com as mãos em grinalda,
um pendor de um sofrimento que não cura.


Dela o sol queimou a pele - 
                                      delgada casca de seus amores. 
Dele retirou da vista as cores -
                                           o homem que se acautele.

Resquício e eco quando do toque
incompleto dos afrescos em suas memórias,
inevitável marcha fúnebre que invoque
a verdade amarga e sem glórias. 

Perdeu-se em sua imensidão de mácula
                                                         a esperança
Ao correr do tempo o ínfimo prazer
                                                  em vingança

Eles roubaram uma fenda - 
                                       deixaram-se alumiar.

Deles a natureza pudenda -
                                       impediu-os de se entregar.

Qui est-ce?

A criança tem fome,
fome do ar que é puído,
fome da água que é branca, 
tem olhos grandes cheios de febre. 


Mas a criança não chora. 
Nem de fome
                    nem de febre.
A criança tem frio!


É do frio rasgado, 
é do frio dissonante,
a boca aberta cheia de fogo.


Mas a criança não chora.
Nem pelo frio
                     nem pelo fogo.

Criança do horto!


Criança martirizada, 
pelo frio e a febre,
pela fome e o fogo.


Criança dos olhos grandes.
Criança da boca aberta.
...criancice viciada - 
pelo frio, fogo, fome e febre. 


Mártires as crianças!
Só fotos e folhas,
                sem a friagem.
                sem o fogaréu.
Só olhos e boca.
                 sem esfaimar. 
                 sem fumegar.
Só a criança.

Fúnebre desatino

Permutou-se minha palavra em acalanto, 
virou uma forma de me perpetuar
na dor, na alegria de um quebranto,
na forma rubra do desabrochar.

Tu crês que eu há muito me perdi, 
chafurdei no vício de um inalcance, 
e, por tudo, acabou que eu me destruí.
Que eu não deixo que meu peito descanse.

Mas ouças a minha urgência -
são as falhas longas do meu querer
que me permitem essa insolência -
porém veja o meu padecer!

Tu creditas ao meu medo a construção
do altar onde empilhei oferendas.
Pensas que do cansaço surgiu a canção
e que ela me abriu nos olhos as sendas.

Eu penso que se vais e rasgas minha face, 
que se sujas meu brilhante resto de virtude,
quero que todo meu amor se desgrace,
quero que tu eclipses em tua magnitude.

Ferrugem

Era uma noite calada de lábios
e rosas há muito fanados.
Enquanto meu corpo desfacelava-se
em suspiros e tristes fogos.


Não, não digo que rasga -
mas queima-me a ponta dos dedos.


Foi meu peito corroído,
foi um lastro de veneno,
foi a força desconhecida
ou foi um resquício de lamento?


Era uma noite calada de laços
e fitas há muito puídos.
Enquanto teu olhar esperava
por gritos e pobres soluços.


Pois eu sei que não mata -
amputa-me de um amor.


Foi uma manhã fria,
foi a temporada de chuvas,
foi árdua caminhada
ou foi o fim de nossa estátua?


Era uma noite calada de rios
e burburinhos do meu espírito.

It didn't take long for us to break the earth

It didn't take long for us to break the earth,
our force to plead the time gone.
And sweep away the dirtness of the hearth, 
for the light grew dim and days grew prone.


Shall I tell you I forgot how to breathe?
Dark hands of my own malice to weep -
wipe my tears, give me some heat. 
Yesterday was easy to leap.


Climbing up my stone wall, 
reaching for the marbled depths.
And then I began to crawl,
threw myself onto no facts. 


Traded myself for dust, 
saw both of us becoming ablaze - 
thinking long gone was trust, 
glimmering last inche of daze. 


Nothing is more pitiful than us.

No emaranhado do espírito


Quando mãos erguem-se ensombreadas, 
levando-me aos olhos cheios d'água, 
meu destino como Colombinas fadadas
a ser Pierrots em pura mágoa. 

Já disseram que é um inverno, 
esperava com força que fosse sazonal.
E larguei-me ao pranto terno,
de quem nunca se permitiu um final.

Sigo ausente de minha existência - 
esperando que me segurem em seus braços.
Quem é lúcido para tal vivência?
Quem quer cuidar de meus olhos baços?

'Avante', é a voz que permeia meu ente, 
afundando em um poço tão fundo. 
Transformo meu corpo em doente, 
e meu coração em vagabundo.