Cinzas em flor

Eu tinha uma expectativa de retorno.
Retorno não, recomeço.
Redesabrochar, renascimento, redescoberta.
Saber mais do que já sabia, ver mais.
Descartar-me inteira com o passado para poder
transluzir no futuro.


Tinha um sonho inquieto.


Já não suportava sozinha tanto amor guardado.
No que era novo o antiquíssimo desgaste
das minhas jóias e perfumes.
Eu queria enfeitar tudo com flores novas.


Como o dia amanhecendo, vi luz.


Era como se relampejasse em meu espírito cru
a impossibilidade de voltar.
Se estendiam diante de mim sendas
cheias de recomeço.
As cinzas da primavera.
Já passou-se uma.
Desfaleço inteiramente ao pensar que
outra virá e outra e outra...
E assim infinitamente, até que meus olhos se cansem.

Amor sem decassílabos

Ainda amo,
                 não mais tiranicamente. 
Amo como torpor,
                 não como grito.
Amo lentamente,
                 não como revoada. 


Perdi a chama,
                 não a essência. 
Perdi vitoriosa,
                 não desfalcada.


Ainda amo,
                 não em frangalhos. 
Amo como aumentada, 
                 não como vassala. 
Amo em vagas, 
                 não formalmente. 

A coisa

Vi, mas não sei o que vi,
se pelos cantos das paredes, 
se nos rodapés ou nas frestas,
mas eu vi! o quê, não sei. 


Tinha tanta sombra miúda, 
olhos expressivos semicerrados, 
e fazia que estremecesse inteiro.
Mas eu vi!


Uma respiração como
frígida folha farfalhante.
Senti como se fosse um
monstro de criança em medo adulto. 


Mas vi!


Como explicar seus suspeitos passos, 
se desfiz a primeira impressão
de raiva, de carinho doído e amargo.
Agora, sinto o que não sei. 

Um retorno

Fui na perdição, te vi de longe para abandonar as palavras vazias, e tudo se fez mais amplo que o desabrochar daquelas pequenas rosas selvagens quase fechadas em botão nos meus braços que eram desfeitos. Nada disse porque pouco sei, já que é o vermelho tão sutil pendurado em cada um de meus cílios como nascimentos - são crianças dependuradas de meus olhos assustados, assustados porque não sabem muito mais do que a infantilidade do dia novo. E te vi de longe, muito longe, como se fosse fugitivo de um cansaço pesando sobre os ombros desbeiçados, para que me ajoelhasse a seus pés como pobre ser que sou, unicamente tão mulher, pois no fundo é sangue escorrendo em um silêncio desumano feminino da minha feminilidade fértil. E homem que me enfeitou com tantas rosas selvagens em botão miúdo não faz isso. Ou talvez faça, porque todos morrem um pouco por dentro - e eu, eu morro no amor calado que guardo para ti em cada pétala no desabrochar.