Ofélia
Quadro em aquarela escarlate rasgando,
Correm pelo assoalho os pequenos insetos,
Decompondo, corroendo, carne-viva,
Os gritos incessantes das estátuas rachadas
Há uma figura desenhada no teto
suas lágrimas caem no chão
Amordaçada por ser inacabada e pura
por ser conspurcada e virgem
Enquanto o vento entra pelas frestas, buracos
Balança as cortinas, levanta pó d’ouro
Rebrilha na porcelana da imagem
Na pele suja, nas roupas puídas de seda
Rosto empoado de faces vermelho-sangue
Lábios com linha preta e ensandecidos murmúrios
Os olhos são de mármore negro, são duros
e úmidos
E seu corpo claro quase se desfaz, desnuda
seu marfim
Enquanto escorre tinta pelos seus cabelos
Sangue pelo seu ventre
Morte pelo seu rosto
Tudo se despedaça em um rio de lágrimas