Prelúdio

É uma tarde em que chuvisca. O nevoeiro disfarça o céu em lusco-fusco, um traçado suave de montanhas mergulhando em neve áspera, gotas caindo no solo sedento de ar.
A moça caminha na praia.
Trilha não se vê, seus passos são demasiadamente graciosos para permitir mais do que leve impressão na areia, agora embrutecida pelo choro suave das vespertinas estrelas que espiam. A moça não se importa se vento ou brisa fustiga-lhe os cabelos castanhos, quase dourados d’água, enquanto uma onda suave vem lhe roçar nos pés uma oferenda.
O cheiro de maresia impregna o ar, enquanto a gota delicada escorre pelos cílios escuros da jovem que caminha na praia – que é deserta. Se por uma fenda o tempo vislumbrasse tal cena, deter-se-ia para ela jamais acabar. Não porque a donzela é bonita – mesmo que exista graça em seu andar adocicado -, nem mesmo porque a chuva cai. Mas, sim, porque a moça caminha na praia.
Na poética ternura andarilha, o céu chora, inutilmente, a praia deserta, porém não sozinha, absorve com cheiro de água salgada, fluxo intermitente. Alheio ao mundo que gira como esfera solta em plano, alguém sente os pés estilhaçarem uma concha rubra, água nos cílios. É a moça que caminha na praia. Sob a chuva. 

2 comentários:

Anônimo disse...

Me encantou este teu escrito, senhorita. Está perfeitamente equilibrado e adorável, parabéns, querida.

Cuida-te.

Joana disse...

Fico feliz que tenha gostado tanto! É apenas um dos esboços de meu olhar, muito obrigada, meu bem!

Postar um comentário