deram-me flores e folhas,

deram-me flores e folhas,
cobriram-me de orações,
pessoas no ir-vir eterno,
e eu ali, jazida doce.
você jogou-me pétalas secas,
mal murmurou palavras,
olhou rapidamente meus cabelos soltos,
e partiu - e eu ali, jazida doce.

Do jardim ao Letes

Eu revelei-me demais e o sei,
desnudei ombros e pescoço
e toda a sombra que eu inventei
caiu sobre meu antro insosso.


Não sei o que espera da minha fala,
já eu, espero que estoures a mudez,
apesar da vida que me cala,
deixei de vê-lo com toda a sensatez.


Menino! Não passas disto!
Destrói-me com suas palavras,
por mim não é mais benquisto,
na espada que em todos encravas.


Carregue-se sozinho!
                        eu não quero mais.
Use de seu próprio carinho!
                       não me importa onde vais.


Eu te minto agora, não crês?
mas a verdade, por ti ignorada,
não mostrarei outra vez.
Agora sou toda alma invernada.

Prelúdio

É uma tarde em que chuvisca. O nevoeiro disfarça o céu em lusco-fusco, um traçado suave de montanhas mergulhando em neve áspera, gotas caindo no solo sedento de ar.
A moça caminha na praia.
Trilha não se vê, seus passos são demasiadamente graciosos para permitir mais do que leve impressão na areia, agora embrutecida pelo choro suave das vespertinas estrelas que espiam. A moça não se importa se vento ou brisa fustiga-lhe os cabelos castanhos, quase dourados d’água, enquanto uma onda suave vem lhe roçar nos pés uma oferenda.
O cheiro de maresia impregna o ar, enquanto a gota delicada escorre pelos cílios escuros da jovem que caminha na praia – que é deserta. Se por uma fenda o tempo vislumbrasse tal cena, deter-se-ia para ela jamais acabar. Não porque a donzela é bonita – mesmo que exista graça em seu andar adocicado -, nem mesmo porque a chuva cai. Mas, sim, porque a moça caminha na praia.
Na poética ternura andarilha, o céu chora, inutilmente, a praia deserta, porém não sozinha, absorve com cheiro de água salgada, fluxo intermitente. Alheio ao mundo que gira como esfera solta em plano, alguém sente os pés estilhaçarem uma concha rubra, água nos cílios. É a moça que caminha na praia. Sob a chuva.